sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017
Work in progress - semana 3
Despe-se e deita-se e dorme e delira e depois desespera-se,
Vão coração, coração vão, a quem pega da mão?
Sonha, e sonhar é um risco e um tormento insensível que sente,
Vão coração, coração só, inventou a moléstia,
Sofre-a, vinga-a e volta a sofrê-la por tê-la vingado,
Vão coração, coração mísero, pródigo, sôfrego,
Calmo, inconstante em resumo, em resumo, infeliz e contente,
Vão coração, bom e mau, mal de si próprio tão bem,
Hábil também em falhar, excelente inexperto, tão tolo,
Quanto mais tempo viver, mais sofrerá, coração.
Vai novamente viver sem temer porque teme e declara,
"Nova desdita virá! Nova e pior!", conjectura,
Sem conhecer da matéria, suspeita, deduz e, portanto,
Sobre o alagado constrói, sem fundamento maldiz,
Nada do mundo conhece e leciona aos mais tolos ainda,
Não nasceu sob nosso céu homem capaz de entender
Sobre por que é ciclópica sua ignorância da vida,
Cobre-se a essência de ser, cio perene da essência
Pura por que está disposta essa vida ignorada e ignorante,
Sempre fadado a morrer, bicho perdido a sofrer.
Noite quieta, aquieta um momento o tormento da vida.
Quebre o silêncio, trovão, turbe-se um tanto a audição,
Turbe-se um tanto no peito o partido e vazio coração.
Noite inquieta já é; loa quer, quer rapapé.
Trevas desejos lhe toldam, debalde fará orações
Para tentar saciar grandes mentiras em si.
É grande equívoco seu; que desejos farão diferença
Grande ou pequena? Nasceu? Morre, portanto. Transita
Para tentar escapar do que já vem ceifando os viventes
Desde cem vezes dez mil anos, por pura vaidade.
"Grande ou pequena vaidade?", pergunta, mas não há resposta
Para calar a vulgar voz
Ouve-se novo barulho e desperta-se súbito. Pronto
Surge, e consegue ser bom. Soa agradável seu som.
Há de fluir por tristeza o seu pranto, mas lágrimas secam.
Há de acender nova luz, júbilo novo em seus olhos
Para aquecê-la em seu peito de novo. De novo rirá
Quando aprouver a quem for. Seja quem for, minha flor.
Há sempre alguém a quem urge agradar, a quem urge pagar
Quando quiser o que for. Seja o que for, meu amor.
Há de mudar novamente a fortuna, que nunca sossega,
Sendo incapaz de ficar queda nalgum endereço,
Ora afastada por dolo de alguém a quem não se nomeia,
Ora por culpa de alguém livre de toda suspeita,
Sempre por obra de alguém inocente do dolo e da culpa,
Filho seu, feio, não tem pai, dir-nos-á o rifão.
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