Põe-se o trabalho a ser feito. O trabalho a ser feito se impõe.
Posto por quem? Ninguém diz. Natureza não diz e não põe
Nada, a não ser o que não se descobre por nossa razão
Posta ao trabalho por nossa razão. Natureza não põe,
Põe-se por ela por nós, a ser feito por nós, e se impõe
Todo trabalho, e se impõe sem razão, pois somente supõe,
Tudo supõe... Natureza, que nada supõe, eu suponho,
Ri-se de nós, que vivemos um sonho, de dentro do sonho
Mais amplo, mais largo, sem restrições, que é seu riso materno.
Mãe, que se banha nas águas de todos os rios, e sorri;
Mãe, que se banha em vapor no vapor dos vulcões, e sorri;
Mãe, que respira fragrâncias de todas as flores sorrindo;
Mãe, que se ri da tolice dos homens de bem, tão raivosos,
Mas tão raivosos!... Tão tolos, assim mesmo; pode se rir.
Voa por sobre a cidade a Aurora, pro dia voar...
Cada pessoa que acorda amanhece também, como o dia;
Cada pessoa que dorme perdeu outro dia chegar;
Mas as pessoas despertam pra ver outro dia chegar?
Não; porque acordam somente, não é despertar: acordar;
Não é a mesma alegria do pássaro: é acordar;
Quais acordadas pessoas despertam do sono, na vida?
Quais acordadas pessoas somente sonharam, na vida?
Quais acordadas pessoas jamais acordaram, na vida?
Quantas, e quais, e de quantas maneiras, sonharam voar?
Voa por sobre a cidade a Aurora, já vai começar...
Morno sol, céu azul, muito barulho por nada escutar.
Fora é silêncio de dentro, de dentro pra fora, lá fora.
Dentro é sonhar que somente dormindo se pode voar.
Voa por sobre a cidade dormindo sonhando acordado.
Nem em seus sonhos quer ter algo a ver com o brilho da Aurora;
Lembra-lhe sempre que é hora de ir trabalhar novamente;
Lembra-lhe sempre que os dias são todos iguais para a Aurora,
Belos, porque por seus olhos só há infinito e infinito,
Olhos despertos, atentos e rubros, em lágrimas livres.
Olhos fechados e frios que seguram lágrimas prontas,
Seus olhos, por sua vez, com que tem de acordar todo dia.
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